A ciência brasileira, tão carente de recursos, vê surgir uma nova forma de financiamento que pode mudar o rumo das pesquisas nacionais. Uma operação financeira inédita lançada pela Hurst Capital em maio deste ano possibilitará que a empresa de biotecnologia BioGrowth desenvolva em laboratório uma técnica para produção, por biofermentação, de Coenzima Q10 (CoQ10), substância essencial para a respiração (produção de energia) das células do corpo humano.
Dessa forma, além de o País não ficar totalmente dependente da importação, passa a dominar uma nova tecnologia, além de gerar rentabilidade para investidores.
Substância com propriedade antioxidante, a coenzima Q10 é fundamental para a produção de energia nas mitocôndrias das células – energia sem a qual o organismo não consegue funcionar. É produzida naturalmente pelo corpo humano e pode ser obtida também por meio da ingestão de certos alimentos. No entanto, a produção de coenzima Q10 diminui a partir de uma certa idade e há inúmeras situações em que se faz necessário a reposição por meio de suplementos. É recomendada para indivíduos que possuem problemas cardíacos, musculares ou que praticam exercícios físicos.
A grande sacada da Hurst foi perceber que é possível obter retorno financeiro investindo em pesquisa científica. A BioGrowth cedeu royalties que serão gerados pela sua tecnologia por meio de uma operação conhecida como equity crowdfunding, regulamentada pela Instrução CVM 588, que acabou de ser revogada pela Resolução 88 da CVM de 2022. O objetivo da empresa de biotecnologia é desenvolver em laboratório uma técnica para produção, por biofermentação da cana-de-açúcar, de coenzima Q10 (CoQ10).
É uma operação que deve mudar paradigmas quando o assunto é financiar trabalhos científicos. Hoje, praticamente toda a pesquisa brasileira é financiada com recursos públicos. O problema é que o Estado sozinho não consegue suprir os trabalhos científicos de empresas, universidades e demais instituições. Em tempos de crise econômica, como o atual, o que se vê é corte de gastos e cientistas brasileiros buscando oportunidades em outros países.
Nos últimos sete anos, os cortes de verbas para pesquisas superaram R$ 80 bilhões. Neste ano, especificamente foi definido apenas R$ 6 bilhões no orçamento para o setor. Recentemente, porém, o Ministério da Ciência e Tecnologia anunciou o corte de R$ 2,9 bilhões, o que torna ainda mais difícil o desenvolvimento da ciência nacional.
Por isso há a expectativa de que a história mude com a entrada do setor privado nessa área. A operação em questão terá duração de 43 meses, e o aporte mínimo por investidor é de R$ 10 mil. A rentabilidade prevista é de 20,14% a.a. no cenário base. A projeção mais otimista é de retorno do 33,39% e a mais pessimista 13,45%. Os investidores receberão valores e, dentro do prazo estipulado, serão proprietários do protocolo de produção que está sendo criado. Assim, eles terão direito a tudo o que gerar receita, como o licenciamento para indústrias farmacêuticas do Brasil e do exterior.
Segundo Arthur Farache, CEO da Hurst, a parceria com a BioGrowth é apenas o início de um projeto maior. O objetivo é montar um time especializado para originar operações de investimento em pesquisa científica, mitigando principalmente os riscos de mercado. Ou seja, apenas aprovar projetos que tenham viabilidade econômica clara e direta para que o investidor tenha seu dinheiro de volta. Dessa forma o poder público ficará responsável apenas pelo financiamento de projetos de mais longo prazo, geralmente mais ligados à ciência pura.
“Queremos ser a ponte entre o capital e os ativos ligados à ciência, arte e tecnologia. Com essa iniciativa, vamos proporcionar o financiamento de pesquisas científicas. Temos estudado esse tema há cerca de um ano e percebemos que a Ciência no Brasil tem três problemas: (i) o financiamento público não é suficiente e deveria ser direcionado para a ciência pura, enquanto que o capital privado (que não há) deveria ser usado para a ciência aplicada; (ii) a fuga de cérebros para países em que há recursos disponíveis; e, (iii) um distanciamento entre pesquisa científica e mercado”, explica Farache.
Segundo o Diretor de Operações da BioGrowth, Ivo Rischbieter Junior, a Coenzima Q10 existente no mercado é produzida por meio de outros processos e o Brasil precisa importar. Com o desenvolvimento e produção local a tendência é que o preço de medicamentos e suplementos à base da substância se tornem mais baratos e o risco de escassez diminua bastante, já que a cana-de-açúcar é o que não falta no Brasil.
“É a primeira vez que adotamos esse modelo para captação de recursos e sei que se trata de uma operação inédita no Brasil. Ela conta com a inteligência de estruturação da Hurst e faz todo sentido para nós. Estamos muito confiantes porque nosso negócio é baseado em fermentação bacteriana, processo que dominamos totalmente e esse Know-How é o nosso lastro”, comenta o executivo da BioGrowth.