Termos como stealthing, gaslighting sexual, revenge porn e até sexsomnia vêm ganhando espaço nos debates públicos, mas ainda são desconhecidos por muitas mulheres. O que torna esse cenário preocupante é o fato de que essas práticas, em muitos casos, configuram crimes, mesmo sem serem reconhecidas de imediato. Com a aproximação do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a discussão sobre formas de violência sexual que não seguem padrões clássicos, mas ainda assim geram danos profundos, ganha relevância.
O advogado criminalista Davi Gebara, especializado em direito da mulher, afirma que a desinformação é uma aliada dos agressores. Segundo ele, muitas pessoas já passaram por situações abusivas e nunca imaginaram que poderiam denunciar. A falta de informação impede que a vítima identifique o crime e, muitas vezes, paralisa qualquer reação.
O stealthing, por exemplo, consiste em retirar o preservativo durante o sexo sem o consentimento da outra pessoa. Ainda que o início da relação tenha sido consensual, modificar o acordo sem aviso ou permissão caracteriza violação. A prática já tem sido enquadrada como violação sexual mediante fraude, mesmo sem uma tipificação específica no Código Penal. Para Davi, é importante reforçar que o consentimento é contínuo e pode ser interrompido ou alterado a qualquer momento. O ato de burlar esse acordo configura crime.
A jornalista britânica Olivia Petter, de 32 anos, relatou que um parceiro removeu o preservativo sem seu conhecimento. Na época, ela não entendeu o que havia acontecido. Anos depois, ao conhecer o termo stealthing, percebeu que havia sido vítima de abuso. Mais recentemente, uma das denúncias contra o ator Russell Brand envolveu exatamente esse tipo de violação, o que ampliou o debate no Reino Unido sobre a criminalização explícita dessa prática.
Outro conceito que tem ganhado espaço é o gaslighting sexual, quando o agressor manipula a vítima emocionalmente para convencê-la de que houve consentimento ou de que nada de errado aconteceu. A mulher é levada a duvidar da própria percepção, a se calar, a sentir culpa. Esse tipo de violência pode ser enquadrado no Brasil na Lei da Violência Psicológica contra a Mulher, em vigor desde 2021.
A atriz Evan Rachel Wood, de 36 anos, trouxe esse tema à tona ao depor no Congresso dos Estados Unidos. Ela afirmou ter vivido anos de manipulação psicológica severa dentro de uma relação abusiva. Disse que foi levada a acreditar que os comportamentos violentos do ex-companheiro eram sua culpa. Seu depoimento descreve com clareza o impacto psicológico desse tipo de abuso, muitas vezes imperceptível no início, mas devastador ao longo do tempo.
O revenge porn, ou pornografia de vingança, refere-se à divulgação de fotos ou vídeos íntimos sem o consentimento da pessoa envolvida. No Brasil, essa prática é crime desde 2018 e pode levar à prisão por até cinco anos. A atriz Mischa Barton, de 38 anos, enfrentou essa situação após um ex-namorado tentar comercializar vídeos íntimos gravados sem autorização. Ela declarou que viveu uma mistura de raiva, medo e incerteza, e que nenhuma mulher deveria passar por isso. Barton conseguiu levar o caso à Justiça e obteve uma ordem de restrição e a proibição da divulgação do conteúdo.
Mais recentemente, o termo sexsomnia passou a ser citado em defesas judiciais. Trata-se de um distúrbio do sono que envolveria comportamentos sexuais inconscientes. Em alguns países, como Austrália e Reino Unido, homens acusados de estupro alegaram que estavam dormindo e não lembravam do ato. Em casos isolados, a Justiça aceitou a tese como válida, o que levantou preocupações entre especialistas. Para Davi Gebara, essa condição, mesmo quando reconhecida clinicamente, não pode ser usada para desacreditar a vítima. Cabe à perícia médica avaliar o caso, mas o direito à denúncia permanece.
Em todas essas situações, a falta de informação é um fator que perpetua o silêncio. Muitas mulheres só compreendem que foram vítimas muito tempo depois. No entanto, mesmo que os episódios tenham ocorrido há anos, a denúncia ainda pode ser feita. O acolhimento psicológico e jurídico é parte essencial desse caminho.
Está em produção um vídeo educativo com linguagem acessível e exemplos reais, que será divulgado nas redes sociais. O objetivo é tornar essas informações mais visíveis e compreensíveis, ampliando o debate e ajudando mais mulheres a identificar situações abusivas que antes passariam despercebidas. Nomear o que se viveu é, muitas vezes, o primeiro passo para buscar justiça.
Se você passou por algo semelhante ou conhece alguém que possa ter vivido uma dessas experiências, procure orientação. A denúncia pode ser feita na Delegacia da Mulher ou pelo Disque 180. Nenhuma forma de violência deve ser normalizada. Reconhecer o que aconteceu é um direito, e a busca por apoio nunca deve ser adiada.