Home Entretenimento Leitura Mulheres na pandemia: do inverno prolongado ao renascimento
Leitura

Mulheres na pandemia: do inverno prolongado ao renascimento

Envie
Default Featured Image
Envie

Maria Barretto

Após o momento de pausa, recolhimento e interiorização que fomos convidadas a viver no inverno, é chegada a hora de receber o esplendor da Primavera. Ruas cobertas de flores. Paisagens coloridas. Perfumes diversos que despertam os nossos sentidos. São esses fenômenos que marcaram o final do mês de setembro e representam o início de uma nova fase, que traz consigo a possibilidade de expansão, crescimento e florescimento – desde que tenhamos criado boas raízes no inverno. Um momento que abre caminhos para o recomeço que muitas de nós estamos buscando.

A pandemia impôs, de maneira abrupta, a necessidade do recolhimento. Suspendemos nossos modos de ser e estar no mundo e nos vimos obrigadas a entrar na toca e viver um inverno prolongado por mais de um ano.

Cada mulher lidou com essa transformação como pôde. Algumas se recolheram em um lar tranquilo e seguro. Outras, em vez de desfrutar os benefícios do home office, acumularam trabalhos. Segundo a pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia” – da Gênero e Número, empresa social que discute questões de gênero e raça a partir de dados, e da Sempreviva Organização Feminista –, 41% das mulheres que trabalharam de casa na quarentena relataram uma sobrecarga decorrente da conciliação entre emprego, cuidados com terceiros e tarefas domésticas. Para algumas delas, parar não foi uma opção: seguiram trabalhando fora, mesmo que isso significasse um risco.

Apesar das diferenças, no momento em que o mundo todo foi obrigado a parar, inevitavelmente alguma atividade da nossa vida foi suspensa. Sem tantos escapes ou distrações, muitas mulheres entraram em contato com suas jornadas, escolhas, seus ritmos e corpos. Escutaram mais a voz que vinha de dentro. Várias aprenderam a desfrutar desse momento e dessa pausa. É isso que pode explicar, por exemplo, o resultado da pesquisa realizada pela Consultoria Robert Half, que apontou que 44% das mulheres entrevistadas querem trabalhar em empresas que permitam o trabalho híbrido. Se quase metade das brasileiras deseja ficar alguns dias em casa, é porque descobrimos um benefício do recolhimento ao lar.

Para a psicóloga Beatriz Ramos, de 35 anos, a experiência do silêncio foi transformadora. Antes da pandemia, a vida dela, assim como a de tantas pessoas que moram em São Paulo, era guiada por um ritmo apressado, quase desesperado. Com dois trabalhos, ela atravessava a cidade várias vezes ao dia, lidava com a ansiedade de cumprir horários e respondia a um modelo de produção acelerado. O cuidado com seu corpo ficava em último plano. Foi a pausa forçada do isolamento social que abriu espaço para um mergulho interno e para uma revisão sobre o que era prioridade. Para cuidar da saúde mental, ela resolveu se dedicar aos trabalhos manuais, que a confortam e acalmam. Cuidou do jardim, conectando-se com a energia da terra, e passou a cozinhar e pensar sobre o seu alimento. Coisas simples, mas que não cabiam na rotina pré-pandemia.

Ao abrir espaço para novas possibilidades, começamos a refletir sobre que vida queremos viver. No caso de Beatriz, o renascer veio com um pedido de demissão e com a abertura de uma empresa, que deu a ela flexibilidade de horários, além da oportunidade de trabalhar perto de casa.

A diminuição da cobrança externa por produção constante possibilitou que muitas e muitos de nós pudéssemos ganhar mais intimidade (ou chegar mais perto) do que chamo de pulso da vida, o reconhecimento de que não somos estáveis e estamos sempre alternando movimentos de recolhimento e expansão. O pulso da vida é feito de dia e noite, inverno e verão, lua nova e lua cheia. Esse ciclo faz parte de uma vida saudável.

Estamos inseridas num sistema patriarcal, que exige uma performance produtiva linear e aceleração constante. Ele deixa pouco (ou nenhum) espaço para pausas, tão importantes para acessar nossa força criativa. É o que eu chamo de vazio fértil. Para nos preenchermos de ideias novas, precisamos esvaziar as antigas. Um sistema saturado não dá condições para uma criação saudável. Felizmente, com a pandemia, essa ciclicidade parece ter ganhado um espaço mais central e protagonista na vida das mulheres. A pausa forçada nos levou a escutar e respeitar a sabedoria ancestral de nossos corpos e a sermos mais firmes em relação aos nossos limites.

Podemos entender o processo de ir para dentro de si como um período de hibernação, momento em que conseguimos encontrar e cuidar das raízes que vão sustentar nosso florescimento, ou, em outras palavras, momento em que temos a chance de firmar os pés no chão, de ouvir e fortalecer nossas verdades mais profundas, usando-as como condutoras das transformações que buscamos.

Foi assim para a paulistana Thais Habka, 35 anos. Sempre com muita dificuldade de dizer não, ela reconheceu no isolamento social uma oportunidade para conhecer e respeitar suas vontades. Com a restrição da convivência, ela se viu obrigada a dizer sim somente para quem e para o que lhe fazem sentir-se bem: “A pandemia escancarou coisas que, no nosso íntimo, já sabíamos, mas que não conseguíamos reconhecer. Hoje, digo não com muito mais facilidade e entendo que essa clareza veio da oportunidade de ficar recolhida dentro de mim”, afirmou.

Inspirada pelas histórias de Beatriz, Thais e de tantas outras mulheres que me contaram sobre suas descobertas, meu convite é vivermos esta Primavera refletindo sobre as experiências no período de isolamento social e pensando de que maneira vamos nos abrir para esse convite de florescimento que a nova estação traz.

O quanto você conseguiu, em meio a tantas atividades do dia a dia, se recolher, se conectar consigo mesma, respeitar seu ritmo interno e acessar as verdades que estão dentro (e não fora) de você? O que observou sobre como vive a sua vida e sobre como se relaciona com os outros e consigo mesma? O que esse inverno prolongado nos proporcionou e para onde vai nos guiar neste momento de sair, lentamente, da toca? E, mais importante: o que passou a ser inegociável para você e que, seja como for esse retorno gradual, você vai querer manter na rotina? Agarre-se ao que você descobriu que é bom, às raízes que criou para sustentar um novo estilo de vida e leve como presente desse inverno uma nova verdade interior para seguir em frente.

 

SOBRE MARIA BARRETTO

Maria Barretto é, antes de tudo, uma curiosa pelos mistérios do corpo, da alma e dos ciclos da mulher. Mãe de Tereza, José e Ana, tem se dedicado profissionalmente ao trabalho com mulheres há mais de dez anos. Contribui para que todas as mulheres mergulhem em uma jornada de autoconhecimento, reconectando-se com o Ser Mulher, trabalhando com o feminino e masculino, e conhecendo mais o próprio corpo, a sexualidade, a natureza cíclica, a criatividade e a capacidade de gerar vida. Usa diversas ferramentas e técnicas como Coaching, ThetaHealing, Cura e Bênção do Útero, Escuta Empática, Sabedoria das Avós da Tribo da Lua, Toque, Anatomia Emocional, Massagem, Oráculos e o uso de Ervas Medicinais. www.naturezaintima.com.br  | @mariabarretto.

SOBRE A EDITORA | A Primavera Editorial é uma editora que busca apresentar obras inteligentes, instigantes e acalentadoras para a mulher que busca emancipação social e poder sobre suas escolhas. www.primaveraeditorial.com

Do Combate à Desinformação à Regulação das Plataformas Digitais

Do Combate à Desinformação à Regulação das Plataformas Digitais

Leia Mais
Júnior Rostirola conquista o público infantil na Bienal do Livro do Rio com lançamentos cheios de aventura, fé e diversão

Júnior Rostirola conquista o público infantil na Bienal do Livro do Rio com lançamentos cheios de aventura, fé e diversão

Leia Mais
Junior Rostirola relança “Encontrei um Pai” em edição especial e reforça mensagem sobre paternidade e propósito

Junior Rostirola relança “Encontrei um Pai” em edição especial e reforça mensagem sobre paternidade e propósito

Leia Mais
Obra inédita do advogado Daniel H. C. Alvarenga faz uma análise do marco regulatório do Open Finance financeiros no Brasil

Obra inédita do advogado Daniel H. C. Alvarenga faz uma análise do marco regulatório do Open Finance financeiros no Brasil

Leia Mais
Livros que inspiram a consciência ecológica infantil

Livros que inspiram a consciência ecológica infantil

Leia Mais
Envie