Zizi Martins é ativista da liberdade religiosa, destaca as problemáticas e desafios da liberdade religiosa no Brasil e nos Estados Unidos..
A liberdade religiosa é um direito natural positivado como fundamental nas constituições do Brasil e dos Estados Unidos há séculos. Porém, nos dias atuais, os cristãos enfrentam desafios significativos para manifestar sua fé, sendo alvo de ações e interpretações estatais que, em alguns casos, revelam um viés anticristão.
Segundo o Censo 2022 do IBGE, o Brasil é majoritariamente cristão, com 56,7% se declarando católicos e 26,9% evangélicos, forma significativa de representação política e cultural. Nos EUA, os cristãos, sobretudo evangélicos, também são maioria com ampla influência política.
Embora muito se fale em perseguição, ela não é apenas percepção, mas pode ser avaliada por meio de ações específicas do Estado que afetam a presença cristã.No Brasil, há registros de proibições de manifestações religiosas em escolas sob a justificativa de laicidade, enquanto outras expressões culturais e religiosas continuam permitidas, evidenciando um padrão de discriminação institucional. Também existem denúncias sobre o uso de recursos públicos para apoiar ONGs que promovem pautas contrárias aos valores cristãos, como no combate à “ideologia de gênero”. O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional legislação estadual que obrigava a presença de exemplares da Bíblia em escolas públicas e bibliotecas – decisão que simboliza a retirada da presença obrigatória da fé cristã em espaços públicos, embora a Bíblia possa continuar presente de forma não mandatória.
Nos Estados Unidos, vários casos judiciais demonstram restrições ao exercício da fé cristã, como a proibição de orações oficiais em espaços públicos e a remoção judicial de símbolos religiosos cristãos, como presépios e cruzes, mesmo em locais com tradição histórica cristã. Litígios contra igrejas que recusaram prestação de certos serviços contrários às suas crenças também marcam o cenário.
Enquanto os EUA mantêm uma democracia representativa consolidada, em que o marco legal da liberdade religiosa é respeitado e menos vulnerável à interferência judicial excessiva, o Brasil enfrenta uma maior judicialização da política, com decisões que impõem restrições sem o aval do parlamento, caracterizando uma “juristocracia” que dificulta a plena expressão democrática e a segurança jurídica.
Esse fenômeno no Brasil está diretamente relacionado ao neoconstitucionalismo, corrente jurídica que atribui à Constituição um papel central e vinculativo absoluto, conferindo aos tribunais um papel ativo na interpretação dos direitos fundamentais, muitas vezes de forma dinâmica e flexível para atualizar o direito segundo novos valores sociais. O neoconstitucionalismo enfatiza a aplicação de princípios constitucionais como normas jurídicas concretas, promove a ponderação entre direitos e a abertura da interpretação à moral e à justiça social, o que amplia o alcance e a influência do Judiciário sobre as políticas públicas. Essa abordagem fortalece a judicialização da política e pode restringir decisões tomadas pela democracia representativa formalmente constituída.
Nos Estados Unidos, em contraste, a Suprema Corte (Supreme Court of the United States) é majoritariamente composta por juízes que adotam o originalismo constitucional, defendendo a interpretação da Constituição conforme o entendimento dos fundadores no período da promulgação. Esse método busca limitar a intervenção judicial e respeitar o papel do Legislativo, mantendo uma postura mais restrita sobre mudanças políticas e sociais via decisões judiciais. Embora haja reconhecimento que nenhuma interpretação é inteiramente desvinculada do contexto social, o originalismo atua para impedir a expansão desmedida da jurisdição e preservar o equilíbrio entre poderes.
É crucial preservar a democracia representativa porque ela é o meio legítimo para a maioria fortalecer e proteger o marco legal que assegura a liberdade de crença e culto. Relativizar essa democracia implica transferir decisões cruciais para tribunais, agências e instituições acadêmicas desprovidas da legitimidade popular, como ocorre no Brasil. Diferentemente, nos EUA, o sistema é mais equilibrado, mantendo a soberania popular e o respeito aos processos legislativos.
Esses exemplos reforçam que a liberdade religiosa dos cristãos está no centro de tensões políticas e jurídicas tanto no Brasil quanto nos EUA, com sua proteção dependendo do delicado equilíbrio entre democracia representativa e a atuação judiciária contida pelos limites constitucionais e, por isso histórica e socialmente responsável.
Zizi Martins é ativista da liberdade, atuando como vice-presidente do Conselho Administrativo da ANED, membro do IBDR, diretora e membro fundadora da Lexum. Advogada, Procuradora do Estado da Bahia, Especialista em Direito Administrativo (UFBA), Especialista em Direito Religioso (Unievangélica), Mestre em Direito (UFPE), Doutora em Educação (UFBA), Pós-Doutora em Política, Comportamento e Mídia (PUC/SP). Atua também como consultora e pesquisadora em liderança e gestão pública, além de comentarista política.*
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