*Por Tricia Braga, Diretora Sênior de Tributos e Estratégia da Avalara
Os documentos fiscais eletrônicos (NF-e, NFC-e, CT-e, NF3e, NFCom, BP-e, entre outros) têm desempenhado papel cada vez mais relevante no sistema tributário brasileiro. Desde a implementação do modelo digital de notas fiscais, em meados de 2006, as administrações fazendárias das três esferas de governo vêm aprimorando seus mecanismos de controle, adicionando informações estratégicas que proporcionam total visibilidade das operações ao Fisco.
Atualmente, o Brasil é reconhecido como um dos países mais avançados e maduros na adoção de documentos fiscais eletrônicos. Essa infraestrutura tecnológica sólida foi essencial para a formulação da nova Reforma Tributária sobre o consumo, que entra em vigor em 2026. No novo modelo, os documentos eletrônicos passam a ser a principal base para apuração e recolhimento dos tributos CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
O protagonismo desses documentos está consolidado no artigo 60 da Lei Complementar nº 214/2025, que estabelece a obrigatoriedade da emissão de documentos fiscais eletrônicos para todas as operações com bens e serviços, incluindo importações e exportações. Até esse ponto, o dispositivo apenas reforça práticas já consolidadas.
A verdadeira inovação surge no parágrafo 1º do mesmo artigo, ao determinar que:
“As informações prestadas pelo sujeito passivo nos termos deste artigo possuem caráter declaratório e constituem confissão do valor devido de IBS e de CBS consignados no documento fiscal.”
Esse ponto representa uma ruptura significativa com a lógica tributária vigente até aqui. Historicamente, mesmo com tentativas dos entes estaduais e municipais de atribuir caráter declaratório aos documentos fiscais, os tribunais firmaram entendimento de que apenas declarações transmitidas via DCTF, GIA ou SPEDs configuravam confissão irretratável de dívida. Os documentos fiscais, portanto, eram vistos como formalização da operação, e não como instrumento hábil para constituir o crédito tributário.
Com a Reforma Tributária, essa lógica será transformada. Ao atribuir caráter de confissão de dívida ao documento fiscal, o valor nele indicado poderá ser imediatamente exigido pelo Fisco, dispensando qualquer lançamento formal. Isso impõe um novo nível de responsabilidade às empresas: qualquer erro no preenchimento poderá gerar recolhimento indevido ou cobrança automática de tributos não devidos, com impacto direto na saúde financeira das organizações.
Além disso, a aplicação do modelo de split payment — que atrela o crédito fiscal ao pagamento efetivo — reduz significativamente as possibilidades de ajustes posteriores. Em outras palavras, um erro na emissão poderá ser irreversível. O direito de defesa do contribuinte, nesse contexto, também se restringe: ele estará limitado a casos de nulidade do ato jurídico que originou o documento, e não a falhas técnicas, de parametrização ou inserção equivocada de dados.
Apesar das validações feitas pelo Fisco antes da autorização da nota fiscal, os cálculos dos tributos e a consistência dos dados continuam sendo responsabilidade exclusiva do contribuinte. A apuração pré-assistida será baseada integralmente nos dados contidos nos documentos eletrônicos, e o espaço para correções será bastante limitado.
Diante desse novo cenário, empresas precisam adotar uma abordagem preventiva e estratégica. É fundamental:
- Realizar mapeamento completo dos dados exigidos pela nova legislação;
- Parametrizar corretamente os sistemas de emissão de documentos fiscais;
- Manter atualizadas as regras fiscais em tempo real;
- Automatizar ao máximo o cálculo de tributos nos documentos eletrônicos.
Essas medidas deixam de ser diferenciais e tornam-se imperativos operacionais. A partir de 2026, os documentos fiscais eletrônicos deixam de ser apenas registros de operações para se tornarem, de fato, os protagonistas da nova era tributária brasileira.