Você me escuta? se inspira livremente em casos clínicos reais de pessoas que têm respostas neurológicas fora do comum a músicas e outros estímulos sonoros, presentes no livro “Alucinações Musicais”, de Oliver Sacks.
O projeto é da Cia Os Barulhentos, com direção de Rodrigo Spina, que traz à cena essa obra de Sacks desde a última bem-sucedida montagem do grupo Aqui Estamos com Milhares de Cães Vindo do Mar (Prêmio APCA).
Para isso, convidam Carla Kinzo para assinar a dramaturgia, que se transforma em seis cenas curtas independentes interpretadas por Aléxia Lorrana, Gabriel Góes, Gabriel Pangonis, Lucas Fernandes, Maria Rita Gullo Lopes e Samantha Rossetti. Completam a ficha técnica: Gregory Slivar na direção musical, Júlio Dojcsar na direção de arte.
A peça-filme tem estreia no dia 13 de dezembro, às 21h no canal do Youtube d’Os Barulhentos.
A idealização do projeto parte da observação do sentido da escuta e da percepção do ensurdecimento, a falta de comunicação, presente no atual cenário político-social da civilização urbana; bem como a importante relação entre música e memória, elemento fundamental da condição humana.
A música afeta as pessoas de maneiras diferentes, não há dúvida. Isso se baseia, em parte, na experiência e nas associações que temos entre memória e música. Mas ouvir música não é apenas algo auditivo e emocional, é também motor, podendo ter diversos efeitos no corpo. Dependendo da música há quem diga que se sinta mais feliz ou relaxado, outros não gostam de certos sons. Nós, humanos, somos uma espécie musical além de linguística, mas alguns de nós são perseguidos por músicas, enquanto outros dependem dela para rememorar atividades, ou mesmo se mover. Mas o que acontece no nosso cérebro quando estamos ouvindo música? De forma geral, é como se todas as áreas do cérebro conversassem entre si. Esse maquinário complexo é vulnerável a várias distorções, excessos e panes, e a música pode vir a ser o ímpeto para conectar ou fragmentar experiências e memórias
“Alucinações Musicais” de Oliver Sacks foi escolhido como material poético para abordar essas relações com o som e com a música. “No livro encontram-se relatos incomuns de indivíduos absortos pelo som, seja pelo ruído ou pela música, e que nesta adaptação do romance constroem metáforas para outras e novas qualidades de escuta, redimensionando a compreensão dos próprios sentidos. Assim, pretende-se estimular, através da criação artística apresentada, uma nova dinamização da escuta, que, como nos tempos pré-históricos, será fundamental para a sobrevivência, não na selvageria, mas em coletivo, redimensionando as relações sociais contemporâneas”, completa Rodrigo Spina
Os Barulhentos buscam o mesmo que Sacks, mas com uma postura bastante distinta, a de imaginar. “E se, por alguma disfunção neurológica essa composição do som se inverter? Se agora, os problemas estão em tudo que se aprendeu a ignorar por meio dos hábitos sociais? Será que todos os ruídos, nessa busca por problemas e soluções, são mais significativos que os discursos? A solução só pode ser encontrada ouvindo aquilo que incomoda? Aceitando que os ruídos fazem parte do mundo que construímos, e que, só através deles, poderemos encontrar uma escuta apurada para travar um verdadeiro diálogo. A hipótese é que a paisagem sonora da vida urbana e as relações com ela podem falar mais sobre os humanos de hoje do que eles mesmos”, contam os artistas do grupo.
O livro, a neurociência e o teatro
Oliver Sacks (1933 – 2015) foi um importante neurologista e professor universitário anglo-americano. Como escritor, lançou 13 livros, com grande sucesso de público e crítica. Ao longo do livro “Alucinações Musicais”, Sacks oferece histórias envolvendo pessoas comuns ou portadoras de distúrbios neuro-perceptivos. O que se passa com o cérebro humano ao fazer ou ouvir música? Onde exatamente reside o enorme poder, muitas vezes indomável e inominável, que a música exerce sobre nós? Essas são algumas das questões que Oliver Sacks explora, em seu estilo cativante, mostrando, por exemplo, como a música pode nos induzir a estados emocionais que de outra maneira seriam ignorados por nossa mente ou ainda evocar memórias supostamente perdidas nos meandros do cérebro. É impossível, por exemplo, não se impressionar com os casos de “amusia”, uma condição clínica que faz Mozart soar como uma trombada automobilística aos ouvidos da pessoa afetada.
Muitos dos livros do Dr. Oliver são reconhecidas coletâneas de casos neurológicos. Seus pares médicos dizem que ele faz ‘ciência romântica’. Ao mesmo tempo, a crítica literária atribui a ele a invenção do ‘romance neurológico’. De fato, o estudo de casos surpreendentes de pessoas com distúrbios neurológicos ou perceptivos ligados à música reitera a maior contribuição de Sacks para a medicina: a defesa da humanização do paciente, que tenta, junto com a abordagem clínica, integrar as dimensões psicológica, moral e espiritual tanto das patologias quanto de seus tratamentos.
Em Você me Escuta?, o grupo decidiu aprofundar sua pesquisa se debruçando sobre o sentido da audição, do encontro com a obra de Sacks. A ‘humanização’ dos pacientes sob olhar científico da neurociência, logo se revelou como metafórico aos artistas em meio a polarização política, os ataques contra grupos sociais vulneráveis e a onda de anti-ciência que varreu o país nos últimos anos.
A obra de Oliver Sacks não só mostra as diferentes maneiras de se ouvir. Ela exalta essas diferenças. Seu olhar científico, que investiga e decifra atentamente os fenômenos descritos, é apenas sua ferramenta de trabalho. O que ela constrói é uma visão de mundo, ou melhor, uma escuta para o mundo, muito mais receptiva e compreensível com o outro, com o diferente ou com o que foge à regra do normal.
A partir dessas questões decidiu-se adaptar o trabalho de Sacks para o teatro. Não é a primeira vez que Dr. Oliver é adaptado, o filme “Tempo de Despertar” (1990), com Robin Williams e Robert De Niro foi baseado no seu livro de maior sucesso “Awakenings” (1973). Também a peça “The man who” (1993), de Peter Brook, é baseada em um de seus livros de neurologia. No entanto, esta montagem é mais do que divulgação científica, ou espanto diante de histórias curiosas. “Você me escuta?”, d’Os Barulhentos, são os votos de que a ciência, tão importante e ainda sim tão atacada no Brasil atual, aliada com a arte, possam desatrofiar os ouvidos, convidando todos a serem genuinamente interessados simplesmente em escutar os outros e seu redor.
Ficha técnica “Você me escuta?”
Livremente inspirado na obra “Alucinações Musicais” de Oliver Sacks
Direção artística: Rodrigo Spina
Direção de Fotografia e edição: Gabriel Góes
Dramaturgia: Carla Kinzo
Direção e execução musical: Gregory Slivar
Direção e execução de arte: Julio Dojcsar
Assistência de direção: Cadu Cardoso
Elenco: Aléxia Lorrana, Gabriel Góes, Gabriel Pangonis, Lucas Fernandes, Rita Gullo, Samantha Rossetti
Designer gráfico: Junior Romanini
Artes Gráficas: Junior Romanini e Gabriel Góes
Produção: Thalita Trevisani – TSS Produções Artísticas
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Intérprete de Libras: Jhafiny Lima
Legendas: Lucas Lazarini
Sinopse
Composta por 6 cenas curtas, a peça-filme é livremente inspirada em casos reais presentes no livro “Alucinações Musicais” do neurologista Oliver Sacks, oferecendo histórias de pessoas comuns ou portadoras de distúrbios neuroperceptivos que têm diferentes relações com a arte musical, patológicas ou não. A neurociência e a arte se unem aqui exaltando as diferenças. Constroem uma visão de mundo, ou melhor, uma escuta aprofundada para o mundo, muito mais receptiva e compreensível. A obra reitera nossa íntima ligação com a música e a arte, e propõe que ampliemos o sentido de nossa escuta aos outros, ao diferente, o que foge da nossa estreita regra do normal.
Serviço:
Temporada: de 13 a 22 de dezembro pelo canal dos Barulhentos no Youtube.
Será disponibilizado link com acessibilidade (libras e legenda).
Classificação indicativa: 12 anos
Duração: 90 minutos
Grátis.