De usinas de biocombustíveis a fundos fraudulentos, o grupo controlado por Alicia Navar Loyola e Victor Mariz Taveira revela confusão patrimonial, elo com o PCC e blindagem política que chega aos tribunais superiores.
A gênese do Grupo Comanche
O Grupo Comanche surgiu com o discurso de inovação sustentável, apresentando-se como símbolo do futuro da energia limpa no Brasil. No papel, as usinas de Santa Anita (Tatuí-SP) e Canitar (SP) representavam o avanço dos biocombustíveis. Na prática, as investigações revelam um conglomerado estruturado para ocultar recursos, inflar balanços e lavar dinheiro de origem ilícita.
No comando aparece a mexicana Alicia Navar Loyola (ou Noyola), sócia e administradora da holding internacional Comanche Corporation (Cayman Islands) e da Comanche Participações do Brasil S.A.. Ao lado dela atuam Euclides Marques Filho, gestor das usinas, e principalmente Victor Mariz Taveira, diretor da Acrux Administração de Recursos, responsável por estruturar os fundos que deram aparência de legalidade ao esquema.
O FIDC Comanche e a condenação da CVM
O braço financeiro da fraude foi o Comanche Clean Energy FIDC Mercantis, fundo que deveria negociar recebíveis das usinas, mas que serviu como plataforma de manipulação e desvio de recursos.
No Processo Administrativo Sancionador nº 19957.007862/2018-20, a CVM constatou:
- operações fraudulentas na cessão de recebíveis;
- desvio de recursos entre empresas do grupo, caracterizando confusão patrimonial;
- balanços inflados artificialmente para atrair investidores.
A decisão publicada em maio de 2023 foi dura:
- multas superiores a R$ 11 milhões ao grupo;
- inabilitação de Alicia e Victor por três anos no mercado de capitais;
- responsabilização direta da gestora Acrux e da administradora Oliveira Trust.
Operação Carbono Oculto: o elo com o PCC
O que parecia ser apenas uma fraude financeira revelou-se muito mais grave. A Operação Carbono Oculto, maior ação já deflagrada contra a lavagem de dinheiro do PCC (Primeiro Comando da Capital), apontou a Comanche Biocombustíveis de Santa Anita Ltda. como parte central do esquema.
O modus operandi funcionava assim:
- Créditos podres de bancos eram cedidos à Betacrux Securitizadora (controlada por Victor Taveira e Roberto Neves Rodrigues).
- Pagamentos, muitas vezes em espécie, eram feitos por executivos bancários com recursos ilícitos ligados ao PCC.
- A Betacrux inflava fundos ao recuperar parte dos créditos, transformando valores irrisórios em lucros milionários.
- O dinheiro já “limpo” era transferido para o exterior via Comanche Corporation, nas Ilhas Cayman.
Blindagem política e advocatícia

Além do esquema financeiro, o grupo contava com suporte jurídico de alto calibre. O escritório Salomão Advogados, em Brasília, comandado por Luis Felipe Salomão Filho e Rodrigo Salomão — filhos do ministro do STJ e atual vice-presidente da Corte, Luis Felipe Salomão — é citado em documentos como articulador jurídico do grupo.
Segundo relatos, o escritório atuava em duas frentes:
- pressionando judicialmente credores e vítimas a aceitarem acordos desvantajosos;
- utilizando milícias digitais para difundir informações falsas e manipular negociações.
Esse elo lança dúvidas sobre a imparcialidade institucional, ao expor a confluência entre lavagem de dinheiro, influência política e os tribunais superiores.
⚖️ Reconhecimento judicial da fraude
O TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) já reconheceu a confusão patrimonial dentro do Grupo Comanche. Em decisão no processo nº 0000015-63.2025.8.26.0140, o tribunal determinou a desconsideração da personalidade jurídica, permitindo que credores atinjam diretamente os bens pessoais de Alicia Navar Loyola.
Esse precedente abre caminho para responsabilização direta de sócios e gestores.
A fachada da “energia limpa”
Não é coincidência que o fundo tenha sido batizado de “Comanche Clean Energy”. Por trás do apelo ambiental e inovador, escondia-se uma das maiores estruturas de lavagem de dinheiro já identificadas no setor de biocombustíveis. O discurso sustentável serviu apenas de fachada para legitimar um sofisticado esquema de fraude e ocultação de patrimônio.
O que está em jogo
O caso Comanche não se limita a um escândalo empresarial. Ele expõe:
- a captura do setor de biocombustíveis por organizações criminosas;
- a conivência de gestores financeiros experientes;
- a fragilidade institucional na prevenção à fraude;
- e a perigosa proximidade entre escritórios ligados a ministros e grupos investigados.
Se não houver enfrentamento efetivo, fundos de investimento continuarão a operar como lavanderias de luxo, blindados por conexões políticas e jurídicas poderosas.
Conclusão
O Grupo Comanche é um retrato cru da combinação entre empresários inescrupulosos, gestores financeiros especializados e redes criminosas organizadas.
Alicia Navar Loyola e Victor Mariz Taveira não representam apenas executivos mal-sucedidos, mas peças centrais em um esquema que envolve:
- fraudes financeiras,
- lavagem de dinheiro do PCC,
- influência política em tribunais superiores,
- e confusão patrimonial já reconhecida pela Justiça.
O desafio agora vai além do campo jurídico ou econômico: é ético e institucional. O Brasil está disposto a enfrentar conglomerados que prosperam à sombra da corrupção sistêmica e da leniência do poder político?