Uma simples frase em uma cena de novela foi capaz de mobilizar milhares de mulheres brasileiras na luta pelos seus direitos.
“A gente tem que mudar isso aí, filho não é problema de mãe não!” – essa declaração da personagem Lucimar, da novela Vale Tudo, ecoou muito além da ficção televisiva e gerou uma verdadeira onda de conscientização sobre pensão alimentícia no país.
O poder transformador da teledramaturgia brasileira
A repercussão foi imediata e impressionante. No Rio de Janeiro, na mesma noite em que o capítulo foi ao ar, o aplicativo da Defensoria Pública registrou um recorde histórico: 4,5 mil acessos por minuto, um aumento de 300% em relação ao normal.
Em São Paulo, o impacto não foi menor – quase mil atendimentos adicionais foram registrados no dia seguinte à exibição.
Esses números revelam uma realidade preocupante: muitas mães brasileiras desconhecem seus direitos básicos ou não sabem como acessá-los.
A cena da novela funcionou como um despertar coletivo, mostrando que é possível buscar ajuda através dos canais oficiais.
Como funciona o processo de solicitação de pensão
O acesso à pensão alimentícia deveria ser simples e direto. Nas Defensorias Públicas estaduais, o atendimento é gratuito para famílias com renda de até três salários mínimos. O processo pode ser iniciado presencialmente ou, em alguns estados como Rio de Janeiro, através de aplicativos móveis.
Para dar entrada no pedido, é necessário reunir alguns documentos básicos: CPF, identidade, comprovante de residência, certidão de nascimento da criança, comprovante de renda (quando houver) e o endereço do genitor. Além disso, todas as despesas relacionadas à criança podem ajudar a estabelecer o valor da pensão – desde notas de supermercado até comprovantes de mensalidade escolar e gastos médicos.
Critérios para definição dos valores
Diferentemente do que muitas pessoas imaginam, a pensão não segue uma regra fixa de “meio a meio”. O valor é determinado considerando diversos fatores: as necessidades da criança, a capacidade financeira de ambos os genitores e até mesmo a sobrecarga de trabalho doméstico.
Quando uma mãe acumula responsabilidades como levar e buscar a criança na escola, fazer compras e cuidar da rotina familiar, alguns juízes consideram esse trabalho de cuidado na hora de calcular a pensão alimentícia, podendo aumentar o valor devido pelo genitor.
Direitos que vão além da infância
O direito à pensão alimentícia começa durante a gravidez, quando são incorridas despesas adicionais com cuidados pré-natais e enxoval.
O pagamento se estende até os 18 anos de idade, podendo chegar aos 24 anos caso o jovem esteja estudando, ou por tempo indeterminado em situações de deficiência.
É importante ressaltar que mesmo quando o genitor perde o emprego, a obrigação permanece. Assim como as mães encontram alternativas para garantir o sustento dos filhos, o pai também deve buscar meios de cumprir com suas responsabilidades.
Ferramentas legais para garantir o cumprimento
A legislação brasileira oferece diversos instrumentos para assegurar o pagamento da pensão alimentícia. Em casos de atraso ou pagamento parcial, podem ser aplicadas medidas como bloqueio de contas bancárias, salários e aposentadorias. Se necessário, bens como veículos e imóveis podem ser convertidos em pensão.
Em situações mais graves, a prisão temporária de até três meses pode ser decretada, além da inclusão do nome do devedor em órgãos de proteção ao crédito como forma de pressão para o cumprimento da obrigação.
Um reflexo da realidade brasileira
Os dados são reveladores: o Brasil possui 11 milhões de mães que criam sozinhas seus filhos, segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas de 2022. O último Censo do IBGE mostrou que 49,1% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, sendo que em dez estados esse percentual supera os 50%.
Essa realidade evidencia a urgência de políticas públicas mais eficazes e de maior agilidade no sistema judiciário. Muitas vezes, quando há finalmente uma decisão judicial, os valores estipulados são incapazes de cobrir até mesmo os custos básicos da criança.
Apoio além dos tribunais
Em municípios onde não há Defensoria Pública, a assistência judiciária municipal pode ser acionada. Além disso, é fundamental que as mães solo contem com redes de apoio, geralmente formadas por outras mulheres da família, especialmente as avós.
A conscientização sobre direitos e a facilidade de acesso aos serviços públicos são essenciais para quebrar o ciclo de abandono parental que afeta milhões de famílias brasileiras.
O legado de uma cena televisiva
O impacto causado pela cena da novela Vale Tudo demonstra como a mídia pode ser uma ferramenta poderosa de transformação social. Mais do que entretenimento, a teledramaturgia brasileira tem o potencial de educar, conscientizar e mobilizar a população para questões de grande relevância social.
A frase “filho não é problema de mãe não” deve ecoar como um lembrete constante de que a responsabilidade parental é compartilhada e que toda criança tem direito ao suporte financeiro de ambos os genitores, independentemente da situação conjugal dos pais.
Essa mobilização coletiva mostra que quando as mulheres são informadas sobre seus direitos, elas não hesitam em buscá-los. O desafio agora é manter essa conscientização ativa e garantir que o sistema judiciário responda à altura dessa demanda legítima e urgente.