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A Lei Maria da Penha e sua aplicação abusiva em disputas familiares

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Foto: Divulgação
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Quando o sistema de Justiça é acionado para proteger vítimas de violência doméstica, parte-se de uma premissa essencial: resguardar a integridade de pessoas vulneráveis em contextos de desequilíbrio afetivo e de poder. No entanto, em algumas situações, especialmente nos litígios envolvendo guarda de menores, há registros preocupantes de distorções legislativas, em que normas protetivas, notadamente a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), são instrumentalizadas como mecanismo de retaliação e afastamento indevido de um dos genitores da vida da criança, em condutas que configuram alienação parental.

A Lei nº 12.318/2010, que trata da alienação parental, foi promulgada para coibir práticas que visam dificultar ou obstruir o convívio de crianças com um dos pais. Embora essa legislação traga um rol exemplificativo de condutas típicas, a realidade forense revela a sofisticação de algumas estratégias alienadoras, que vão além da manipulação emocional, ingressando na seara penal, com consequências graves e duradouras para o acusado e para a criança envolvida.

Uma das formas mais nocivas de alienação é a falsa imputação de crimes, especialmente no bojo de relações desfeitas, em que o genitor alienador instrumentaliza o sistema criminal com denúncias infundadas de ameaça, injúria ou mesmo abuso.

Com frequência, tais acusações são acompanhadas de pedido de medidas protetivas, cuja concessão, por vezes automática e precária, resulta no afastamento sumário do genitor da criança, mesmo sem comprovação mínima da materialidade do suposto crime.

Essas práticas violam frontalmente o artigo 1.634 do Código Civil, especialmente após a reforma promovida pela Lei da Guarda Compartilhada (Lei 13.058/2014), que determina o dever de ambos os pais no exercício conjunto da autoridade parental.

Quando a Justiça, mesmo que inadvertidamente, acolhe acusações infundadas sem o devido contraditório, promove um desequilíbrio irreversível na relação familiar, com efeitos deletérios para o desenvolvimento psicológico da criança.

Exemplar é o caso de um pai que, após discordância sobre o envio de uma fotografia familiar para atividade escolar de seu filho — proposta pela genitora com quem nunca teve convivência afetiva —, acabou sendo denunciado por suposta ameaça. A negativa em realizar o registro fotográfico nos moldes pretendidos pela mãe motivou, dias depois, a lavratura de boletim de ocorrência em Delegacia da Mulher, com acusações de ameaça e ofensas verbais.

A partir dessa denúncia, foi deferida, em plantão judicial, medida protetiva com cláusula de barreira, determinando o afastamento do genitor em um raio de 500 metros da mãe e de seus familiares — incluindo, por consequência, o afastamento da criança, cujo colégio ficava próximo à residência do pai.

A denúncia alegava que a ameaça teria sido feita por escrito, mas nenhuma prova documental foi juntada aos autos. Ainda assim, o Ministério Público opinou pelo deferimento da medida, sem requerer qualquer diligência probatória.

A ausência de rigor na verificação da veracidade das alegações gerou efeitos desproporcionais: o pai foi abruptamente excluído do convívio com o filho e passou a responder a um inquérito criminal. A situação ilustra como o direito penal pode ser mobilizado como instrumento de vingança, sem respaldo na realidade dos fatos.

As consequências jurídicas de tais práticas são relevantes. Quando o alienador atribui falsamente à parte contrária a prática de crime que sabe não ter ocorrido, e a denúncia culmina na instauração de procedimento formal, está-se diante de uma afronta direta à administração da Justiça.

O sistema penal não pode admitir banalização. Ao contrário, exige-se do operador do Direito cautela para diferenciar conflitos familiares legítimos de estratégias de manipulação judicial. O simples fato de um dos pais prometer adotar medidas legais não constitui, por si só, ameaça — mas sim o exercício legítimo de um direito.

Outro vetor contemporâneo da alienação parental é a exposição em redes sociais. Postagens que buscam desqualificar publicamente a figura do outro genitor, com ou sem narrativa de fatos criminosos, podem configurar ilícitos penais e civis, além de impactar emocionalmente a criança, que, ao tomar conhecimento desses conteúdos, internaliza conflitos que não compreende, mas sente como próprios.

Trata-se de violação clara ao princípio da proteção integral da criança, previsto no artigo 227 da Constituição Federal. Não se pode desconsiderar o histórico de violência de gênero no Brasil e a importância inquestionável da Lei Maria da Penha como marco civilizatório. No entanto, sua eficácia depende de sua aplicação responsável.

O uso abusivo da legislação protetiva como instrumento de vingança ou alienação parental não apenas prejudica o genitor falsamente acusado, mas, sobretudo, lesa a criança, que é privada do convívio com uma de suas referências afetivas mais importantes.

É necessário que o Judiciário, o Ministério Público e os operadores do Direito familiar tenham sensibilidade e técnica para identificar tais desvios, promovendo uma Justiça que proteja verdadeiramente as vítimas, sem ser capturada por narrativas desonestas que se utilizam do aparato estatal como arma de afastamento parental e destruição familiar.

ALEXANDRA ULLMANN – Advogada e psicóloga. Referência nacional em Direito de Família, com foco em alienação parental, falsas denúncias de abuso sexual e guarda compartilhada.

Perita judicial, atua há mais de duas décadas na interface entre direito e psicologia. Participou do documentário A Morte Inventada e teve papel ativo na criação da Lei da Alienação Parental. É autora do livro Tudo em Dobro ou pela Metade?, voltado ao público infantil, e palestrante em eventos no Brasil e no exterior.

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