Por Paulo Ricardo Ritta
Outro dia vi uma celebridade da TV e da Internet postar foto com look de corpo inteiro e escrever na legenda: “Hoje estou completa de Zara”. Imediatamente na minha cabeça veio a seguinte pergunta: “Será que ela sabe que anos atrás esta empresa foi pega usando mão de obra infantil e escrava? Será que ela sabe que há dois anos uma delegada negra acusou a mesma marca espanhola de racismo, por impedi-la de entrar numa loja da rede, em Fortaleza?”.
Não interessa o nome da celebridade, mas posso apontar que é reconhecidíssima na mídia social e faz sucesso no TV a Cabo, em canal de notícias. Antenada e descolada (eu pelo menos faço esta leitura dos inúmeros posts que vejo nos seus perfis), foi isso que mais me causou estranheza na sua publicação. Como uma figura up to date da mídia contemporânea se apresenta neste visual e não sente uma pontinha de constrangimento?
Mas o que interessa aqui é o case Zara. A marca tem se esforçado a apresentar que está cada vez mais socioambiental. Seu propósito, por exemplo, é tornar todos os seus materiais e até sua infraestrutura 100% sustentáveis até 2025. Traduzindo, está implementando lojas e escritórios eco-eficientes, com extrema redução do consumo de água e energia, em grande escala renovável. Sacolas, pacotes, caixas utilizados são de materiais reciclados. Suas roupas, usam exclusivamente linho e algodão, orgânico e certificado, e as que foram produzidas em poliéster serão recicladas, por meio de pontos de coleta de peças usadas, o que garante menor uso de energia, se comparada a produção de novas.
Uau! A empresa se recuperou dos baques em menos de uma década e deu a volta por cima. E porque, ao ver o post da celebridade da TV, eu só lembrei dos fatos desabonadores. Tá, eu sou chato, muito crítico. Mas ao mesmo tempo, retomo o caso da delegada negra que foi barrada e acusou racismo no Nordeste.
Como chega para um funcionário o propósito socioambiental da empresa, no dia a dia, no varejão das relações de compra em venda? Ali, na frente de batalha comercial, a marca aparece sempre como um moto contínuo de coleções para clientes ávidos por uma promoção, alavancando a roda do consumo. Dá pra pensar em consumo consciente quando parte da sua remuneração cresce quando o percentual de vendas aumenta?
O ponto sensível, até nevrálgico, é que cultura organizacional (olha a Governança aí, gente, segura ESG) é, ao mesmo tempo, o maior desafio e o grande gatilho para que a Empresa trilhe a jornada da Sustentabilidade Corporativa. Pra sacar que a relação com o cliente na gôndola de bermudas precisa se basear em oferta e demanda, ética e transparência, o colaborador, funcionário, o nome que quiserem, precisa aprender, efetivamente conhecer e praticar Código de Conduta, precisa ser seduzido pela cultura organizacional.
Conselho de Administração com mulheres, negros, comunidade LGBTQIA+ e Pessoas com Deficiência é urgente e hiper necessário. Conselho Fiscal, Duo Dilligence, Auditoria Externa, são instrumentos fantásticos e garantem a lisura em diversos processos internos. Mas, a Governança do Varejo é aquela que seu funcionário, aprende, acredita, pratica e toma como valor próprio. Só assim vamos evitar casos de Delegadas Negras acusando as marcas de Racismo, ou episódios tristes, como o trabalho análogo à escravidão das Vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora, ou ainda, escândalos bilionários por registro fiscal nebuloso, como o da Americanas.
Por Paulo Ricardo Ritta
