A dupla paraense Anna Suav & Bruna BG lança nesta quinta-feira (30/6) a música “Mercancías”, dando início à divulgação de seu novo projeto, o álbum visual “Ritual das Candeias”, produzido com o patrocínio de Natura Musical. A faixa chega acompanhada também por um videoclipe, que sai no dia seguinte, na sexta (1/7).
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Em “Mercancías” (“mercadorias”, em espanhol), as cantoras aliam a potência do rap a versos de poesia para denunciar um problema histórico no Norte do país: a exploração sexual de mulheres e meninas, que apresenta números cada vez mais crescentes, especialmente em lugares emblemáticos da Amazônia, como o arquipélago de Marajó (PA), onde estão concentrados os municípios mais pobres do estado e diversas denúncias de redes de prostituição.
“Essa é uma música que eu considero pesada, sombria, e não só na letra, mas também no instrumental. É uma experiência de mulheres daqui do Norte, que crescem escutando a lenda do boto, até entender que por trás dessa história tem algo muito mais real e perigoso”, comenta a cantora Bruna BG. “Acreditamos que esse single possa ser uma ferramenta de denúncia, com força para alcançar muitas pessoas e lugares e para chamar a atenção para o que se vive por aqui”.
“Se a mão que embala o berço é a mesma que põe o dedo / Se a mão que tem o terço amaldiçoa desde cedo / Na escuridão do quarto, cheira a talco, cheira a vela, cheira a falo e cheira a medo”, canta Anna Suav em uma das estrofes da música, ressoando a mensagem de alerta.
A composição é assinada pela dupla, e a canção conta ainda com direção musical do DJ Duh, produtor que já trabalhou com nomes como Emicida, Ivete Sangalo e Gaby Amarantos; produção musical de Donloco; e mixagem e masterização de Alejandra Luciani, que já atuou ao lado de Ava Rocha, Liniker e Elza Soares. A faixa foi gravada no estúdio Floresta Sonora, em Belém (PA).
Já o videoclipe, que conta com direção e roteiro da própria Anna Suav, em parceria com Xavier Amorim, retrata algumas cenas comuns de meninas e mulheres e suas vivências de exploração sexual na vida noturna e redes de prostituição que podem ser encontradas em barcos da Amazônia, por exemplo.
“A música propõe debates pertinentes, que impactam positivamente na construção de um mundo melhor. Acreditamos que os projetos selecionados pelo edital Natura Musical podem contribuir para a construção de um futuro mais bonito, cada vez mais plural, inclusivo e sustentável”, afirma Fernanda Paiva, Head of Global Cultural Branding.
O álbum “Ritual das Candeias” foi selecionado pelo edital Natura Musical, por meio da lei estadual de incentivo à cultura do Pará (Semear), ao lado de nomes como Nic Dias, Sumano MC, Festival MANA e Mestras do Pará, por exemplo. No Estado, a plataforma já ofereceu recursos para mais de 69 projetos até 2020, como Manoel Cordeiro, Dona Onete, Pinduca, Felipe Cordeiro e Thaís Badú.
LETRA
Tô pique nervosa na situação.
Faz continência pras buce,
cês acham que a gente perdeu a razão?
Eles que perderam esse cargo de chefe e querem submissão.
Quantas vezes exploraram quem te deu a mão?
Toda vez que o sangue dela escorreu no chão.
Vocês matam e ainda tem a absolvição.
Vou fazer vocês pedirem com a cara no chão, porra!
Eu já falei, vou me esquivar!
Quando a gente anda em bando não tem quem parar.
Querem separar, querem se apossar.
Querem nosso corpo e querem nos fazer calar.
Não mexe comigo nem com as minhas irmãs.
Vai logo saber o que é perigo na mão da menina da Cremação.
Tô tipo revoltada, andando na contramão com os pés no chão.
O boto que cês falam abusam garotinhas tá mais pra bicho papão.
No flow ribeirinha, eu vou pela margem, selvagem, visão à espreita.
Revolta sedenta, me sirvo à vontade, movida por ódio, mato na caneta.
Acharam que eram de gozo, preste atenção nos gritos.
Ecoando o desespero, apertando o meu pescoço.
Sem prazer na servidão, solidão vem como imposto.
Inocência é lenda urbana e motivo de desgosto.
Se a mão que embala o berço é a mesma a que põe o dedo.
Se a mão que tem o terço, amaldiçoa desde cedo.
Na escuridão do quarto, cheira a talco, cheira à vela,
cheira à falo e cheira a medo.
Mujeres y mercancías, negociam nossos corpos,
tratam como território, fetiche histórico.
Levadas por barcos pra seus coronéis,
comendo garotas, criando bordéis fluviais.
Lamentos letais lendários e lentos,
processos perdidos queimados no tempo.
Não mexe comigo nem com as minhas irmãs.
Vai logo saber o que é perigo na mão da menina da Cremação.
Tô tipo revoltada, andando na contramão com os pés no chão.
O boto que cês falam abusam garotinhas tá mais pra bicho papão.
Crianças, mulheres vendidas, infância e pureza perdida.
Se eu falar que fui uma, caí na armadilha e ninguém sabia.
Cresci com a cabeça ferida, confusão parte da minha vida.
Ser forte, única saída, ribeirinhas do Norte.
Já não me sujeito mais, já chega de sofrer calada.
Já chega de venderem nossas crianças, já chega de trocarem por nada.
Eu vim de lá, onde boto engravida menina, onde velho manda e abusa da própria filha.
Onde todo mundo sabe o que acontece e ninguém fala nada pois já virou rotina.
Eu vim pra explanar o que vocês dizem que não sabiam,
o boto se esconde atrás de um rosto familiar, um monstro que vem à noite pra te pegar.