Artigo do Dr. Marcelo Campelo
Em notícia divulgada na imprensa, uma avó responsável pelos cuidados de um neto, devido sua mãe estar internada por problemas psiquiátricos, amarrou a criança em um poste em razão de sua desobediência.
Os vizinhos chamaram a Polícia Militar diante da situação. Tomado o menor e encaminhado ao Conselho Tutelar responsável, iniciou-se a apuração dos fatos. Perguntada sobre o motivo, a avó rapidamente justificou que a criança não obedecia os seus pedidos.
Os fatos ocorreram em uma pequena cidade do interior do Estado do Tocantins e surpreende pela falta de informação e a possibilidade de punição de pais e responsáveis que insistem em métodos antiquados de educar.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Art. 4 – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Caso a família não seja um local seguro para a criança, o Estado precisa intervir.
A criança e o adolescente devem ser educados de forma a atingir o seu crescimento como pessoa e, segundo o estatuto, em seu Art. 18-A, os castigos físicos, cruéis e degradantes são proibidos, assim define a lei:
Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
- a) sofrimento físico; ou
- b) lesão;
II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
- a) humilhe; ou
- b) ameace gravemente; ou
- c) ridicularize.
Não existe justificativa para amarrar uma criança para fazê-la obedecer, Tal atitude é proibida por lei e punível, com as previsões do Art. 18~B do mesmo Estatuto.
Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V – advertência.
Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.
Além das previsões do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Penal, em seu Art. 136 prevê o crime de maus tratos, cuja pena pode chegar a 4 anos de reclusão conforme redação abaixo.
Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
- 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
A avó, muito provavelmente, não tinha a intenção de machucar o seu neto, num primeiro momento, já que não tinha conhecimento dos detalhes dos fatos. Apesar de tentar educar, a forma que estava usando é proibida pela lei. Assim, o caminho para evitar situações parecidas como a reportada seria a informação. Numa cidade pequena, no interior, as pessoas não têm acesso às informações sobre a legislação e as melhores formas de educar e caberia o destino de políticas públicas para informar, desse modo, além de evitar danos físicos aos menores, evitar-se-ia mais problemas às famílias de ordem criminal.