O número de casos de cólera está subindo de maneira alarmante na capital do Haiti, Porto Príncipe, e em diversas áreas do país. O alerta está sendo feito pela organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que chama a atenção para a necessidade de uma intensificação imediata nas medidas de combate à doença. Mais organizações e doadores têm de ser mobilizados e instrumentos essenciais, como vacinas, têm de ser disponibilizados a equipes médicas e ao povo do Haiti.
“Os locais de atendimento que possuímos estão ficando cheios, e em breve vamos atingir a capacidade máxima”, afirma Mumuza Muhindo, diretor de MSF no Haiti, referindo-se aos 389 leitos que frequentemente estão lotados nos seis centros de tratamento de cólera montados por MSF desde que os primeiros casos surgiram, em 25 de setembro. “Desde o fim de outubro, temos tratado em média 270 pacientes em nossos centros”, explica Muhindo. “Nas duas primeiras semanas, eram cerca de 50. No total, admitimos mais de 8.500 pacientes e registramos 97 mortes. A evolução é muito preocupante”.
MSF é uma das poucas organizações que atuam em parceria com as autoridades de saúde locais no combate a cólera, cujo ressurgimento é um sintoma da situação catastrófica do ponto de vista humanitário e de saúde vivida no Haiti. O surto ocorre em um contexto de uma crise política, econômica e de segurança sem precedentes. Porto Príncipe é hoje uma cidade cercada e sufocada, com as estradas principais que a conectam com o resto do país controladas por grupos armados.
O abastecimento de combustível após o desbloqueio do principal terminal de petróleo em 4 de novembro, depois de o local ter ficado sob o controle de um grupo armado durante várias semanas, não resultou em uma mudança significativa para o país. Os combustíveis são caros demais para grande parte da população, que enfrenta uma grave crise econômica, e o funcionamento de unidades de saúde continua sendo afetado, com serviços fechados e o tráfego de ambulâncias reduzido. O acesso à água limpa – elemento crucial no combate a cólera – também depende da circulação de caminhões-pipa, que por sua vez dependem do acesso a combustíveis e do contexto de segurança. “A cidade está cheia de lixo que não tem sido coletado há meses”, afirma Muhindo. “E não há distribuição de água em bairros como Brooklyn em Cité Soleil, onde as vias estão bloqueadas por lixo e alagadas por canais e canos de esgoto entupidos.”
MSF é responsável sozinho por mais de 60% da capacidade de leitos para tratamento de cólera na capital. Equipes móveis compostas por especialistas em água e saneamento e promotores de saúde estão trabalhando nos bairros mais afetados para conscientizar a população sobre as medidas para impedir a expansão da doença. Eles também organizaram o tratamento com cloro de cerca de 100 pontos de água e a instalação de oito pontos de reidratação oral onde artigos básicos e água limpa são distribuídos.
Apesar destas atividades, MSF e as outras poucas organizações presentes na resposta não tem capacidade de lidar sozinhas com este surto de cólera. Outros atores humanitários e doadores deveriam somar-se a estes esforços, seja montando centros de tratamento ou ampliando as atividades para prover acesso à água e saneamento.
Adicionalmente, é extremamente importante que a vacinação seja usada como ferramenta fundamental no combate à doença. Diversas centenas de milhares de doses de vacina foram alocadas ao país pelo Grupo de Coordenação Internacional, o mecanismo multilateral de resposta com vacinas a epidemias. As autoridades já solicitaram oficialmente ao grupo a obtenção de uma quantidade de doses. MSF está pronto para começar a implementar uma campanha de vacinação em apoio às autoridades de saúde e para complementar outras atividades de água e saneamento e promoção de saúde.
À medida em que os casos de cólera aumentam em distintos bairros da capital, mas também em outras regiões administrativas do país, permanece difícil estimar a real extensão do surto. “A sobrecarga nos centros de tratamento, que impede que todos os pacientes sejam tratados, as dificuldades de deslocamento dos pacientes devido à falta de combustíveis e insegurança e o aumento do número de mortes registradas nas comunidades, difícil de estimar, são sinais preocupantes”, diz Michael Casera, epidemiologista de MSF. “Em vizinhanças muito inseguras, pacientes que tenham sintomas severos à noite frequentemente têm de permanecer em casa porque os moto-taxistas se recusam a levá-los a um centro de saúde.”