A população jovem e as minorias marginalizadas no Brasil estão em crise e em desilusão com a política. A pandemia da covid-19, entretanto, escancarou a necessidade de ter nos espaços de decisão representantes de todas as camadas sociais. Mas, como fazer isso diante de tanto descrédito?
Para políticos e figuras públicas que participaram do primeiro painel do Davos Lab, realizado na manhã desta segunda-feira (01/03), com o tema “redefinindo a política”, é preciso que haja uma recuperação da credibilidade da política como uma potência transformadora da sociedade, a partir da participação democrática da sociedade civil. Combater o negacionismo para que o Brasil volte a ter papel central no mundo globalizado também é urgência.
“Vivemos em um mundo em que a política tem perdido sua essência transformadora, em que as pessoas seguem como espectadoras. As pessoas precisam ter um espaço de intervenção que seja para decidir e não apenas legitimar o que está sendo proposto a elas”, defendeu a ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva.
De acordo com Silva, a política vive hoje um descolamento entre o que a população tem como prioridade em relação ao que de fato é feito nos espaços de decisão. “Temos um problema entre aquilo que são as expectativas da sociedade e a intervenção dos políticos. A gente acabou de ter acesso a uma pesquisa feita pelo Ibope que dá conta de que mais de 90% da população brasileira têm consciência do problema das questões climáticas. Além disso, grande parte dos entrevistados acha que o ambiente tem que ser protegido mesmo que isso tenha algum impacto na economia. Mas isso não está nas políticas públicas”, afirmou.
Na visão da jornalista Manuela D’Ávila, a questão da falta de credibilidade é antiga e tem como raiz do problema a histórica falta de representatividade nos espaços de poder. “Por que as pessoas vão acreditar nos partidos se pessoas como elas são sempre a exceção? O jovem, as mulheres, as pessoas negras são sempre exceção de um sistema que precisa ser reformulado”, avaliou.
Segundo Ávila, essa “democratização da democracia” passa por uma profunda reflexão sobre o nosso sistema político, eleitoral, mas não só: passa também pelos espaços de participação política. “A juventude de hoje, mais do que no meu tempo, é uma juventude que conecta a luta global (a partir da reafirmação da necessidade do estado para a redução da desigualdade) com o ativismo local que quer transformar a vida hoje. Aqui está a chave para reconquistar a credibilidade das pessoas, porque elas tendem a acreditar naqueles que estão mais próximos. Esse ativismo, para mim, fará com que parcelas das juventudes se reconectem com a política a partir de um trabalho de base. Esse é o caminho que vejo que as organizações com mais êxito têm trilhado”.
Assim como Ávila, o apresentador e empreendedor Luciano Huck concorda que é preciso ter um estado forte, além de uma habilidade para reconhecer que todas as vozes diferentes devem ser ouvidas em um debate político, a partir da participação das minorias. “A gente pode juntar todos os filantropos do mundo, vai ter carinho e acolhimento, mas isso não vai transformar o país. A gente não consegue mexer no ponteiro da desigualdade: quem mexe nisso, quem mexe na geração de oportunidades, é a política, é o estado”, disse.
Por isso a importância de ativar os movimentos civis para participar dos debates políticos, dos processos de tomada de decisão. “A gente precisa reconhecer vozes diferentes, trazer gente nova porque as pessoas não se sentem representadas na política. Independente da nossa ideologia, das nossas crenças, de onde a gente nasceu: todo mundo faz parte do problema. Todo mundo tem que ser ouvido para poder agir e fazer um país mais justo para todos”.
Segundo Huck, para o Brasil avançar nessa agenda é preciso derrotar “o negacionismo” e “as soluções simplórias”. “A gente tem que ter habilidade de encontrar, de curar, de buscar as melhores ideias, não importa onde elas estejam. Não tenho dúvida de que o Brasil tem tudo para ser a maior potência verde global, enxergo uma enorme potencialidade. Essa deveria ser a agenda global que o Brasil deveria liderar. Hoje, o Brasil não lidera nenhuma agenda global. Pela incompetência, pela ingerência, pela falta de planejamento”, avaliou.
Em consonância, D’Ávila apontou que existe um desafio que une todas as gerações de brasileiros hoje em dia: defender a democracia, a ciência, combater o negacionismo e a violência política. “Não existe uma polarização hoje. Existe uma legião de brasileiros contra um governo que é de morte. A primeira missão, na minha compreensão, é colocar mesmo as diferenças de projetos de lado para derrotarmos aqueles que não defendem a democracia e a ciência”.
Diante deste contexto, o ativista Samuel Emílio, que tem atuado em movimentos como o EducaAfro e o Eu Acredito, defendeu que para transformar o país é necessário que haja um projeto de educação política institucionalizada nas escolas. “Com 16 anos não fazia ideia da diferença entre Senado e Câmara dos Deputados. É importante a gente fazer com que a educação seja mais institucionalizada tanto na cidade quanto nas escolas rurais. Isso vai dar um caldo para formar mais lideranças”, afirmou.
Emílio também apontou para a urgência de mais horizontalidade nos partidos políticos. “Uma das coisas que mais aprendi em 2020, vendo as pessoas nas ruas e entregando panfletos para elas, é que essas pessoas perderam a esperança na política porque não conseguem enxergar possibilidade de participar dela. Não sabem como podem resolver um problema. Elas sentem a dor, são impactadas pelas péssimas decisões dos nossos políticos, mas não sabem como resolver. Apesar de a gente estar numa democracia, parece que nossos cidadãos estão reféns das decisões dos políticos. Isso precisa mudar”, disse.