Segue a novela da ausência de políticas de assistência social do governo de Jair Bolsonaro. Enquanto a equipe econômica solta na mídia balões de ensaios sobre o novo programa Renda Cidadã, em substituição ao Bolsa Família, sem definir de onde virão os recursos, um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que o fim do auxílio emergencial em 31 de dezembro de 2020 afetará o comércio, os serviços e outros setores da economia, além de deixar desamparados cerca de 38 milhões de brasileiros. São os chamados “invisíveis” ou cidadãos de baixa renda, pouca escolaridade, ocupados em atividades informais e que não estão inscritos no Cadastro Único para programas sociais e nem recebem o Bolsa Família, criado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre esses “invisíveis”, informais e mulheres são os que mais se beneficiaram da política emergencial de transferência de renda.
No momento em que for encerrado o pagamento das parcelas do benefício, a única fonte de renda em tempos de pandemia do novo coronavírus, o contingente populacional de 38 milhões de pessoas não terá mais nenhuma ajuda financeira. Isso representa, segundo o estudo da FGV, 61% da população que recebe o auxílio emergencial. Desse total, 64% são informais e 74% têm renda de até R$ 1.254, com 55% registrando ainda uma escolaridade com, no máximo, o ensino fundamental. Os pesquisadores da Fundação Getúlio Varges dizem que, até agora, o governo Bolsonaro não tem nada para colocar no lugar do fim do auxílio emergencial e rejeita a taxação das grandes fortunas, cujo patrimônio subiu em R$ 177 bilhões na pandemia. Isso está comprovado pelo fato de que todas as medidas avaliadas pela equipe econômica para bancar um programa de renda básica, o tal Renda Cidadã, tiram recursos dos trabalhadores.
A análise da FGV teve por base os dados referentes ao mês de agosto da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criado para medir os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho e a saúde dos cidadãos brasileiros. O atual quadro de ausência de proteção social no país, segundo os pesquisadores, tende a ser cada vez mais caótico e resulta da falta de estratégias claras e da inexistência de recursos ampliados, combinada com a falta de definição de fontes de financiamentos permanentes, por parte do governo.
O auxílio destina-se aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados, como forma de dar proteção emergencial durante a crise da Covid-19. O benefício começou a ser pago em abril e, inicialmente, foi estabelecido em três parcelas de R$ 600. Em junho, por decreto, o governo prorrogou o auxílio por mais duas parcelas, no mesmo valor. E agora, com mais quatro parcelas, em valor menor (R$ 300), o benefício vai se estender até o fim deste ano.
De acordo com estudo divulgado mês passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 4,4 milhões de domicílios brasileiros (6,5%) vêm sobrevivendo apenas com a renda do auxílio emergencial. Entre os domicílios mais pobres, os rendimentos atingiram 124% do que seriam com as rendas habituais. O IBGE também pontua, por outro lado, que a ajuda financeira tem sido suficiente para superar em 16% a perda da massa salarial entre as pessoas que permaneceram ocupadas.
Avaliação crítica
Para Sergio Takemoto, presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), é um erro o fim do auxílio emergencial, assim como a redução do número de parcelas e do universo de pessoas beneficiadas, porque ficou evidente o impacto importante do benefício na política de proteção social, na economia e até para os cofres do Estado, beneficiado com o retorno na arrecadação de impostos, levando-se em conta que a maior parte do dinheiro vai para o consumo.
Segundo o presidente da Fenae, em relação ao auxílio emergencial, a Caixa vem mostrando mais uma vez a importância de o país contar com um banco público, forte e voltado para o desenvolvimento social e econômico. “Nos últimos meses, por exemplo, o banco 100% público atingiu a marca de 305 milhões de pagamentos do benefício, o que significa 67,5 milhões de brasileiros beneficiados e representa um montante de R$ 210 bilhões injetados na economia”, recorda. Ele afirma ser difícil criar estrutura de renda básica eficiente sem uma concepção de política social ampliada e democrática.
Sergio Takemoto lembra ainda que, por trás dos volumosos números, estão milhares de empregados da Caixa que têm se esforçado para assegurar o pagamento do benefício à parcela mais vulnerável da sociedade, além de outros pagamentos como os saques emergenciais do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). “Os trabalhadores do banco estão na linha de frente da crise sanitária. São eles que mantêm o atendimento de um serviço essencial para a população e enfrentam, diariamente, os riscos de exposição ao vírus, extrapolando o horário e trabalhando aos sábados, numa rotina de muito estresse”, destaca.
O presidente da Fenae denuncia ainda que, apesar da Caixa ter assumido sozinha essa função social e realizado o pagamento do auxílio emergencial para mais de 67 milhões de brasileiros, o governo Bolsonaro insiste em privatizar o banco, enfraquecendo cada vez mais seu papel social e comprometendo os investimentos públicos em desenvolvimento regional.
De acordo com Rita Serrano, representante eleita dos trabalhadores no Conselho de Administração da Caixa e membro do Conselho Fiscal da Fenae, o governo fica o tempo todo especulando sobre a criação do programa Renda Cidadã, quando, na prática, já está cortando o auxílio emergencial das pessoas, “o que coloca a população em uma situação de pobreza e miséria ainda maior do que antes da pandemia”.
“Esse governo é insensível, irresponsável e contraditório naquilo que diz, faz e em relação ao que está acontecendo, que é o aumento da vulnerabilidade social e do desemprego. Esse quadro é agudizado pela quantidade de mortes por Covid-19, que não para de crescer”, brada a conselheira. Rita Serrano opina que todo esse caos resulta da falta de uma política de saúde, da falta de uma política de desenvolvimento e da completa ausência de um compromisso governamental voltado para a população brasileira.
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