Opinião
Existe um tempo certo pra tudo. E a comunicação não escapa dessa regra
Tem coisas que a gente aprende mais na prática do que em qualquer manual. Uma delas é o tempo.
Você não marca um happy hour na segunda-feira de manhã. Não chama o time pra uma reunião de planejamento quando faltam trinta minutos pra encerrar o expediente de sexta. E quem já tentou motivar uma equipe em pleno dezembro sabe que cada fase do ano tem seu próprio ritmo.
Ainda assim, muitas empresas ignoram o fator tempo quando comunicam.
A comunicação interna, que deveria acompanhar o pulso da operação, muitas vezes segue o relógio de quem decide, e não o de quem recebe. É aí que as mensagens se perdem.
“Na prática, o problema não está no conteúdo. Está no quando.”
Lembro de uma situação que vivi em uma multinacional na qual prestei serviço. O boletim interno saía duas vezes por semana, alcançando milhares de colaboradores em diferentes regiões do país. Os dados mostravam claramente qual dia tinha mais leitura e engajamento.
Mesmo assim, a gerente da área decidiu mudar o dia de envio, alterando justamente o de maior engajamento, com a prerrogativa de: “Prefiro que vá nesse outro dia.”
Argumentamos, apresentamos os dados e, no fim, predominou o “eu quero assim”. O resultado foi previsível: queda de abertura, menos interação, menos impacto.
Foi ali que percebi uma coisa simples, mas fundamental: se o canal é para os colaboradores, por que não respeitar o tempo deles? A comunicação não é sobre quem fala. É sobre quem escuta.
A Bíblia já dizia: “Para tudo há um tempo, e há um momento certo para cada propósito debaixo do céu.”
Eclesiastes poderia muito bem estar falando de comunicação corporativa.
O tempo certo para cada tipo de comunicação
Pesquisas da Sparrow Connected indicam que mensagens internas enviadas entre terça e quinta-feira, por volta das 10h da manhã, costumam ter as maiores taxas de leitura. A Staffbase reforça: o meio da semana é o ponto de maior atenção, enquanto segunda e sexta concentram distração.
Boletins e comunicados corporativos funcionam melhor quando o foco está mais alto e a rotina estabilizada.
Campanhas de segurança também se beneficiam do tempo certo. De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, entre 2020 e 2022, as quartas-feiras concentraram o maior número de acidentes de trabalho no Brasil. As sextas-feiras registraram mais acidentes de trânsito, e o fim do ano é um período de maior risco por causa da carga de trabalho, distrações e equipes reduzidas.
Além disso, inícios e fins de expediente, assim como os fins de semana, aparecem como momentos críticos, com maior incidência de acidentes de trabalho, conforme estudos de auditores fiscais do trabalho.
Esses padrões mostram que o tempo não é apenas cronológico, mas comportamental. Entender quando o colaborador está mais vulnerável ajuda a definir o melhor momento para mensagens de atenção e cuidado.
Ações de saúde e bem-estar também funcionam melhor quando antecipam períodos críticos. Uma pesquisa irlandesa mostrou que o risco de infarto é 13% maior no primeiro dia útil da semana, o que revela o peso emocional das segundas-feiras. Começar a semana com campanhas de bem-estar, pausas ativas ou lembretes de autocuidado pode ter mais impacto do que se imagina.
As campanhas de vacinação contra a gripe também ganham força quando planejadas antes dos meses de pico, e esse período muda conforme a região do país.
- No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o aumento de casos é mais intenso entre maio e setembro (outono e inverno).
- No Norte e Nordeste, a tendência de crescimento acontece entre abril e junho, acompanhando os períodos mais chuvosos.
Até o clima mostra que cada contexto tem o seu tempo certo.
Planejar a comunicação de acordo com a sazonalidade regional reforça o cuidado, melhora a adesão e mostra que a empresa entende a realidade das pessoas com quem fala.
Além de reduzir afastamentos, agir preventivamente é comunicar com responsabilidade e transformar informação em cuidado.
Reconhecimentos e celebrações tendem a ter mais efeito no fechamento da semana, quando o clima é de leveza e o time está com a sensação de dever cumprido. Esse é o momento certo para agradecer, valorizar e reforçar o senso de pertencimento.
Comunicar no tempo certo não é detalhe. É estratégia.
Comunicação baseada em ritmo, não em rotina
Quando um gestor diz “eu prefiro”, o profissional de comunicação que trabalha com dados responde: “Os dados mostram outra coisa.”
Quem baseia a comunicação em dados não age por preferência. Age por evidência.
Comunicação no tempo certo é quando a mensagem chega antes da resistência. Quando o colaborador lê, entende e sente que aquilo faz sentido naquele momento.
E, para isso, é preciso menos “eu acho” e mais “os dados mostram”.
No fundo, comunicar é respeitar o tempo do outro. O tempo de ler, de se envolver, de agir.
Talvez seja isso que diferencia uma empresa que fala muito de uma que é realmente ouvida.
Railson Lima é jornalista e especialista em Comunicação Empresarial e Institucional e em Marketing e Redes Sociais, com mais de 15 anos de experiência em projetos de comunicação e cultura corporativa. Atua como palestrante, pesquisador, autor de artigos e criador de conteúdo. Atualmente é estudante de Biomedicina, ampliando sua atuação para o diálogo entre ciência, saúde e comunicação. Maranhense vivendo no Sul, apaixonado por livros e por CT&I, acredita que a comunicação precisa reconhecer o sotaque das brasilidades que moldam nossa forma de ver e dizer o mundo.



