O empreendedorismo está cada vez mais em alta e os motivos para isso vão além dos momentos de crise ou instabilidade econômica. Desde a globalização e com todas as facilidades que a internet trouxe, as novas gerações também estão optando cada vez mais por investimentos em negócios próprios. Atualmente, são mais de 53 milhões de brasileiros empreendedores (segundo dados da GEM – Global Entrepreneurship Monitor) e, somente em 2020, o país fechou o ano com o maior número de empreendedores de sua história, com 13,23% a mais do que a quantidade de negócios próprios registrada no início do ano.
E com tanta gente empreendendo, é comum que as pessoas que não estão contentes com os seus trabalhos ou que queiram mudar, de alguma maneira, seus estilos de vida, decidam se atirar de cabeça no empreendedorismo. Mas será que é tão fácil assim? Lidar com a expectativa e a realidade de ter um negócio próprio, muitas vezes, pode gerar frustração, ansiedade e até depressão. Por isso, o psicólogo Wanderley Cintra Jr., especializado em avaliação de desempenho e comportamento de pessoas em gestão e liderança, traz algumas dicas de como lidar com o empreendedorismo.
Segundo ele, em primeiro lugar, é necessário se planejar de maneira realista. “Quando as pessoas romantizam demais o processo de empreender, elas não esperam por dificuldades ou acham que essas dificuldades vão ser mais simples do que o planejado inicialmente. E isso pode gerar uma frustração muito grande”, diz.
“O empreendedorismo é um jogo de expectativas. Então antes de qualquer coisa, é importante fazer um planejamento otimista, outro realista e um pessimista. Traçar vários cenários e saber das condições que podem te levar a cada um desses caminhos pode ajudar no decorrer do processo e, principalmente, na hora de lidar com as emoções e situações caso elas não saiam da melhor maneira possível”, explica Wanderley.
Além disso, é importante ressaltar que existem diversos tipos de personalidades e cada um pode reagir de maneiras diferentes quando as situações não saem como o planejado. “Quem é mais adaptável, geralmente, tem mais facilidade para lidar com as mudanças no meio do caminho. E isso pode gerar uma vantagem competitiva grande, pois, geralmente, esses perfis conseguem reverter a situação e persistir. Já para as pessoas que possuem mais dificuldade de adaptação ou resiliência, situações negativas no empreendedorismo podem gerar grandes frustrações. Neste caso, indicamos que a pessoa tente treinar esse lado dela e tente ser menos rígida ao empreender, pois mudanças quase sempre são necessárias ao longo do caminho”, afirma.
O psicólogo ainda ressalta sobre a importância de ter foco. “É necessário focar, principalmente, naquilo que você sabe fazer muito bem. Muitas vezes, o empreendedor iniciante precisa lidar com muitas atividades na empresa, como contabilidade, administração, logística, produção e vendas, por exemplo. E é muito difícil conseguir ser bom em tudo isso ao mesmo tempo. Então a dica é focar naquilo que você faz de melhor e dedicar mais tempo para isso. Desta forma, emocionalmente, você vai se sentir mais satisfeito e vai evitar a frustração de achar que você não está sendo competente no negócio”, diz.
Wanderley ainda explica que, na inteligência emocional, saber identificar aquilo em que você é bom e focar nisso é chamado de ‘assumir a sua personalidade’. E essa é uma dica importante no empreendedorismo: pegar algo que você sabe fazer bem, levar para o mercado e se desenvolver. “Deve-se sempre buscar melhorar aquilo em que você já é bom e não focar em coisas que você ainda precisa se desenvolver. Fazer essa autoanálise e avaliar também como você está lidando com a situação. Saber lidar com as expectativas é uma habilidade importante para quem está querendo desenvolver mais inteligência emocional”, ressalta o psicólogo.
Para quem já empreende e já lidou com muitos erros no passado, mas quer evitá-los no futuro, Wanderley alerta para que se faça a seguinte análise:
- Qual é o fato?
- Quais são as possíveis causas?
- Quais ações podem ser colocadas em prática para mudar essa realidade?
Segundo ele, a nossa personalidade funciona de modo repetido. É comum as pessoas repetirem muitos movimentos ao longo da vida, o que faz com que os erros também se repitam. “Por isso indicamos olhar, com atenção, para a causa e ação. E depois analisar se você costuma aumentar a frequência ou a intensidade dessas ações para solucionar o problema. Ou seja: a principal questão é racionalizar o processo, pois, empreender, muitas vezes, começa com uma paixão, mas para a sustentação do negócio, é necessária muita racionalidade para que o processo não fuja do seu controle emocional e você possa evitar erros do passado”, explica.
Já para empreendedores que estão precisando lidar com a gestão de pessoas, a primeira dica é contratar funcionários sem pressa. “Evite fazer escolhas em momentos de desespero ou por ser a opção ‘mais fácil’. Além disso, também é indicado buscar perfis que sejam diferentes de você e que tragam mais diversidade ao time. Assim, as chances de fazer escolhas melhores na contratação de pessoas, aumenta”, conta.
“Depois de feita a escolha, é necessário alinhar as expectativas: o que você espera do funcionário e o que ele espera da empresa? Essa avaliação, muitas vezes, não é feita em empresas pequenas, mas alinhar as expectativas, contar sobre como a companhia foi constituída e deixar clara qual a cultura do ambiente, podem ser aliados para que a relação entre empresa e colaborador dê certo. Além disso, ter a consciência de que essa pessoa já pode ter passado por diversos empregos e culturas empresariais e saber que será necessário adaptá-la ao seu negócio também é muito importante”, ressalta Wanderley.
Necessidade do mercado x Resiliência
Para que um novo negócio tenha mais chances de sucesso, é importante que seja um produto ou serviço que tenha desejabilidade do mercado. Ou seja: nem sempre o erro está nas atitudes do empreendedor. Por mais que a pessoa faça tudo da maneira certa e tenha persistência máxima no negócio, caso o serviço oferecido não seja desejado pelo consumidor, o negócio poderá não ter futuro.
Desta forma, Wanderley ressalta sobre a importância de avaliar o mercado e saber se o que será oferecido tem espaço para conquistar seu público-alvo. “Durante a pandemia, por exemplo, muitas coisas mudaram. Hoje em dia, poucas pessoas estão viajando. Mas muitas estão em casa e estão aproveitando esse período para cuidar da casa. E esse foi um segmento que cresceu neste último ano. Então saber olhar para o que está acontecendo, entender como o mercado funciona e, caso necessário, readequar os negócios, é imprescindível”, explica.
Mas além disso, o psicólogo também reforça que depois de feita essa análise de mercado, entra a questão da resiliência e persistência, já que nem sempre os resultados aparecem de maneira rápida. “Muitos negócios de sucesso e grandes empresas levaram anos para apresentarem resultados. E as principais atitudes em comum entre seus fundadores foram a resiliência e persistência. Outro ponto importante também é fazer um aprimoramento constante dos seus conhecimentos e habilidades, pois o mundo muda tudo muito rápido e, quem não se atualizar, consequentemente, ficará para trás em um mercado tão competitivo”, diz Wanderley.
“Ficar de olho em promessas tentadoras, como anúncios na internet para vendas mais rápidas, por exemplo, também é um ponto crucial. Na internet, principalmente, se propaga muito a facilidade do empreendedorismo, mas, na realidade, não é sempre assim. Então estar atento a ofertas ‘milagrosas’ e ter o discernimento de saber o que é real ou fantasioso é essencial para quem empreende”, finaliza.