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DIA DA MULHER | Ancestralidade e a relação entre mulheres

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Você já falou uma frase e teve a sensação de que ela poderia ter saído da boca da sua mãe? Ou teve uma reação e agiu exatamente como sua avó faria? Sempre que isso acontece, existe um certo estranhamento, mas, na verdade, não há nada mais natural do que reproduzir padrões dos que vieram antes de nós. O ser humano teima em ser independente do que está ao seu redor, mas sua existência é construída a partir de conexões. Além de seu próprio espírito e do corpo social, toda pessoa é também feita de outras, daquelas que vieram antes.

Herdamos um legado de gerações passadas que se manifesta na visão de mundo, nas relações, nos medos e até na sexualidade. A ancestralidade é esse pacote que carregamos, misturando as forças e fraquezas dos homens e mulheres cuja história deu origem à nossa – incluindo aqueles que partiram do mundo muito antes de nascermos. Essa herança não é transmitida apenas pelas pessoas com quem convivemos. Está, também, gravada em nosso espírito e em nosso útero, órgão que carrega nossas memórias ancestrais.

Segundo a terapeuta Patrícia Fox, a conexão com as ancestrais nos leva até uma das mais antigas manifestações do sagrado feminino, “a grande tecedeira”, conhecida também como a “avó aranha” nas tradições dos povos ameríndios. Ela é a criadora de tudo e a protetora da grande teia universal. A figura da avó é de alguém que carrega memórias de várias vidas, as dela e as que vieram antes dela, como as receitas de família registradas em um caderno escrito à mão.

Nos Círculos de Mulheres e nos atendimentos individuais, trabalho com frequência a ancestralidade. Não dá para falar de feminino sem olhar a linhagem de cada uma. Na Bênção do Útero esse é o tema principal de um dos cinco encontros realizados durante o ano. É incrível como aprofundar as investigações sobre os antepassados traz informações úteis para o autoconhecimento e a cura das mulheres, e trabalhar com o útero é uma das possibilidades que elas têm para resgatar essa história e entender alguns padrões de comportamento. A relação entre o órgão e a ancestralidade é tão forte que conheço casos de mulheres que, por meio de trabalhos como Constelação Familiar, conseguiram se curar de doenças como endometriose.

Uma pessoa a que atendi começou a entender o seu padrão de sair com homens casados depois de entrar em contato com suas memórias uterinas. Ela passou a frequentar a Bênção do Útero, mesmo sem saber exatamente o que gostaria de liberar durante o trabalho. O resgate da sua ancestralidade foi entrando em contato com seu útero, nesse campo mais sutil e misterioso. Depois, ela foi para o campo mais racional, de pesquisa e observação, resgatando com seus familiares as lembranças do passado. Decidiu mergulhar na história de sua família. Descobriu que sua bisavó por parte de mãe havia se matado após saber sobre uma traição do marido. Seu avô, filho dela, reproduziu o padrão do pai. Teve vários casos, mas a esposa, sua avó, nunca o deixou por isso. Essa investigação deu mais sentido ao seu comportamento e reforçou seu desejo de agir diferente. Queria mudar um padrão que estava tão presente em sua ancestralidade, reconhecendo que ele vinha de um lugar de vingança e sabotagem consigo mesma. Ao ressignificar sua trajetória e acessar as raízes do seu padrão, entendeu que estava ocupando um lugar de vingar suas duas ancestrais que foram traídas entrando no relacionamento de homens comprometidos. Contando assim, parece simples, mas não é linear. Pode imaginar quantos processos essa mulher viveu?

Por que trabalhar a ancestralidade? Assim como aconteceu com essa mulher, encarar a ancestralidade contribui para criar uma consciência de quais padrões perpetuamos. Alguns mais saudáveis podemos escolher mantê-los, mas outros, mais desafiadores, não farão falta se desinvestirmos deles e os deixarmos. Costumo entregar para os ancestrais o que não quero mais e agradecê-los, pois de alguma forma me serviu. Na prática de ThetaHealing, olhamos para algo que queremos deixar entendendo a sua utilidade para nós até então. Por exemplo, quero me liberar da minha dor nas costas, mas de alguma maneira é aquilo que me ajuda a parar durante o dia, a ter uma pausa para me cuidar e ser cuidada. Então, como posso criar outras formas de parar, me cuidar e ser cuidada, sem precisar sentir dor?

Para que uma mulher possa manifestar sua potência, precisa estar em paz com sua origem, de onde veio e o que trouxe consigo. Sua força também está lá. Tem de escolher o que quer ou não reproduzir. Há crenças limitantes que têm origem na ancestralidade e é preciso lidar com elas, aprender e evoluir com elas. Senão, deixamos de aceitar desafios porque nos mantemos atadas a medos e inseguranças que não nos pertencem. Há travas que temos cuja origem ainda não entendemos. Nunca vivi uma situação que me causasse esse trauma, pensamos. No entanto, a explicação não está necessariamente na sua vida, e sim no que aconteceu antes. Está tudo interligado. É um acontecimento em outra geração que também condicionou essa reação. Por exemplo, uma jovem que pertence a uma linhagem de mulheres que sempre se esforçou para agradar os homens, sem cuidar se estava satisfeita ou não, possivelmente vai se deparar com uma dificuldade de questionar seu companheiro e compartilhar suas necessidades. Emoções negativas, inquietação, excesso de atividade mental e hábitos alimentares pouco saudáveis são indicações de lembranças ancestrais bloqueadas.

Como seres que evoluem, temos a responsabilidade de nos libertar para levar adiante na jornada apenas o que faz sentido para a realidade que queremos criar a nós mesmas. Até porque memórias mal resolvidas se tornam mais resistentes e os problemas se repetem. Se não entendemos como o passado continua a nos dominar, espiritualmente não temos paz.

Trecho do livro Natureza Íntima – Fendas de uma Mulher, de Maria Barretto, publicado pela Primavera Editorial.

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