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Complexo de inferioridade

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João Carlos Marchesan*

O impressionante crescimento industrial chinês conseguiu, no arco de trinta anos, transformar a China na fábrica do mundo, tirou da pobreza mais de quinhentos milhões de pessoas e fez do país asiático a segunda potência mundial, demostrando, mais uma vez, não somente a importância da industrialização no desenvolvimento de um país, mas seu papel insubstituível na geração de empregos de qualidade, na capacidade de gerar P&D, e inovação e de propiciar o surgimento de um setor de serviços sofisticados.

O fato da China, não satisfeita de dominar a produção industrial em volume, querer assumir também a liderança em termos de tecnologia e qualidade, intenção explicitada, em 2015,  em seu programa “Made in China 2025” que propõe alcançar, até 2025, o estado da arte em dez setores industriais estratégicos, fez surgir,  entretanto, preocupações políticas nos principais países industrializados, que passaram a olhar com desconfiança o gigante chinês e a assumir posições defensivas ou antagônicas.

Assim, Donald Trump, em 2016, baseou sua campanha eleitoral no lema de “fazer a América grande novamente”, com o apelo de trazer as indústrias americanas de volta e, com elas, seus empregos. Conseguiu, com isto, ampliar seu apoio, em termos de votos, nos estados do “cinturão da ferrugem”, onde o desemprego industrial estava mais agudo, em função do processo de migração da produção para outros países, em particular para a China, e ganhou a eleição para a presidência dos EUA.

A Alemanha, igualmente preocupada com a crescente concorrência chinesa em bens industriais, que não mais se limita a produtos baratos, mas começa a disputar espaço com os equipamentos alemães mais sofisticados, resolveu defender suas empresas industriais e, no início de 2019, Peter Altmaier, seu ministro da Economia, submeteu à aprovação do governo um projeto intitulado “Estratégia Industrial Alemã 2030” como resposta aos movimentos das forças econômicas globais e em defesa de sua indústria.

As políticas adotadas, não somente pelos Estados Unidos e pela Alemanha, mas pela maioria dos países industrializados em resposta à perda de empregos qualificados e a uma certa estagnação econômica que ocorreu em função da migração de empresas e empregos para países em desenvolvimento, principalmente, para o sudeste asiático, tem como característica comum a defesa da indústria, reconhecendo nela um elemento fundamental para seu desenvolvimento econômico.

Vale a pena destacar, no documento alemão, as justificativas apresentadas por seu ministro da Economia ao defender o projeto, “Estratégia Industrial Nacional 2030”, como uma orientação de política industrial para a Alemanha e União Europeia. Com uma franqueza incomum, ele partiu da constatação de que a pujança da economia alemã deriva, em grande parte, da capacidade de sua indústria em manter a liderança tecnológica de seus produtos, conhecidos no mundo todo por sua qualidade e desempenho.

Mais especificamente, Altmaier reconhece, com todas as letras, que, há mais de setenta anos, o bem estar do povo alemão e sua qualidade de vida, não foram e não são consequência de uma dádiva divina e sim da quantidade e qualidade dos empregos que a competitiva indústria alemã permite oferecer. Esta prosperidade, construída ao longo dos anos pelo entendimento entre os setores econômicos, a sociedade alemã e o Estado, depende, essencialmente, da manutenção da competitividade de sua indústria.

Os exemplos da importância da indústria no processo de desenvolvimento dos países ricos, não se resumem aos citados acima. Na realidade, a história dos países desenvolvidos se confunde com a história de sua industrialização e do papel do Estado neste processo, o que  desmente a discussão  de que “nosso caminho não é o da indústria manufatureira, a não ser aquela ligada ao beneficiamento de produtos naturais”.

Essa discussão, iniciada por um destacado integrante da equipe econômica, exuma velhas ideias que se supunham mortas e enterradas. Ressuscita, duzentos anos depois, a teoria das vantagens comparativas para defender a tese de que o Brasil tem que se contentar em extrair minérios, plantar soja e criar bois, coisas nas quais ele é competitivo, e deixar de lado a indústria que é coisa de país desenvolvido.

Ele diz que até podemos ter alguma indústria desde que esta se resuma a processar commodities, sem muita complicação, deixando de lado veleidades de fabricar aviões, equipamentos, automóveis e outras coisas mais sofisticadas. Estas ideias revelam uma mentalidade neocolonialista e, no fundo, denotam um certo complexo de inferioridade.

Na contramão da reavaliação da importância do papel do Estado, que está ocorrendo no mundo todo, ele defende que o Estado não deve gastar recursos com atividades que não dão retorno. P&D e inovação, neste caso, não deveriam ser apoiados pelo setor público, em função do alto risco. Desenvolvimento de vacinas, muito menos, Teorias   econômicas e ideologias à parte, teríamos que nos perguntar, tal como fez o ministro alemão, quem, ou o que, irá garantir o bem estar e a prosperidade da sociedade brasileira.

É público e notório que tanto a indústria extrativa quanto o agronegócio   são exemplos na criação de empregos, mas este modelo econômico pode resolver o problema da Australia, uma nação com vinte e cinco milhões de habitantes, menos do que a população da Grande São Paulo, mas ele não serve para um país com 220 milhões de habitantes. Neste caso, quem irá criar os empregos necessários, em quantidade e qualidade, para resolver os problemas da pobreza, da desigualdade de renda, e para o desenvolvimento do país?

*João Carlos Marchesan é administrador de empresas, empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ

 

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